sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Ensino e realidade quotidiana

1. No fim da aula, um jovem abeirou-se da professora e perguntou-lhe, num misto de candura e provocação:
S’tora, afinal para que me serve a matemática?
Apanhada de surpresa, a professora respondeu-lhe de pronto:
Olha, serve para não seres enganado quando vais fazer compras.
Não sei qual foi a sequência deste diálogo, nem isso é relevante aqui. Julgo apenas que foi uma pergunta curiosa, no mínimo, e que a resposta não podia ter sido mais objectiva, embora pudesse ter sido outra. De qualquer modo, é de crer que tenham ficado pontes para diálogos futuros.
De vez em quando, lembro-me deste episódio, que me foi contado em primeira mão. Na sua singeleza, faz-me pensar numa série de questões, aparentemente desconexas, mas tendo por denominador comum o papel da relação professor-aluno no ensino.

2. Faz-me pensar, por exemplo, na necessidade que há de enquadrar os conhecimentos que se ministram, adaptando-os com espírito criativo à realidade quotidiana, para que o que se ensina ganhe consistência e faça sentido. Por outras palavras, para que a sala de aula seja um espaço vivo e atraente. Qualquer disciplina – seja o Português, a Matemática, a História, a Física, e por aí adiante – pode ser inesperadamente interessante ou mortalmente enfadonha. Depende do professor. E cabe a cada um descobrir as vias de acesso apropriadas para “conquistar” os alunos. Não é fácil, mas é um desafio estimulante. E, se o desafio for vencido, o esforço revela-se gratificante.
É certo que o professor pode encontrar, na pedagogia, ensinamentos no sentido de tornar mais eficaz a sua aptidão para comunicar, e também é verdade que a competência específica do professor na disciplina ministrada, assim como a sua cultura geral, contribuem muito para o enriquecimento da relação professor-aluno. Todavia, estas são apenas condições necessárias, que não suficientes para o objectivo pretendido.
Há qualquer coisa de indefinível, que “não vem nos livros”, que faz com que os bons professores – aqueles que marcam os alunos e são recordados com carinho – se destaquem dos outros. Serão, em geral, as qualidades humanas? o perfil físico? o tom de voz? a experiência? o empenhamento? a imaginação? a disponibilidade? o jeito para dialogar? a capacidade de fomentar e gerir cumplicidades? será uma vocação natural? Não sei. Sei apenas que dos professores bem se poderia dizer que «são muitos os chamados... mas poucos os escolhidos».

3. Em consequência, o episódio faz-me pensar como seria importante que os políticos compreendessem, e assumissem, que a preparação séria do futuro do País, pela via da formação escolar da juventude, está muito mais nas mãos de professores competentes e motivados do que em contínuas reformas do sistema de ensino. (...)

4. Aquele diálogo faz-me pensar, ainda, na necessidade de encarar com serenidade as perguntas dos alunos, por mais desconcertantes que elas sejam, e de procurar dar-lhes resposta adequada, em cada caso e consoante as circunstâncias. Ora, isto nem sempre se verifica, basicamente por duas ordens de razões: porque a resposta não é fácil ou imediata, ou então porque o professor tem dificuldade em admitir que não está habilitado a responder. Quando tal acontece, não raras vezes há a tentação de “despachar” o aluno com uma resposta qualquer.
Nesta matéria, há que reconhecer dois factos essenciais. O primeiro, é que é fácil, a um jovem curioso, fazer perguntas difíceis. O segundo, é que um professor não é uma pessoa obrigada a saber tudo (ninguém sabe tudo!). Entendido isto, por qualquer das partes, a relação professor-aluno pode ganhar a dimensão desejável, assente numa base de confiança recíproca. Se um professor não está, de momento, em condições de responder a uma dada pergunta, deve simplesmente admitir isso mesmo, procurar informar-se e, depois, satisfazer a curiosidade do aluno. Qualquer jovem compreende, e respeita, uma atitude de humildade e de honestidade intelectual. O que não aceita, nem desculpa, no momento ou a prazo, é que lhe dêem respostas apressadas ou tolas.

Artigo publicado no semanário Expresso em 01.Nov.1996

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