domingo, 2 de janeiro de 2011

Esperar o (im)possível

O início de um Novo Ano convida sempre a formular esperança em melhores dias. Também eu não resisto à tentação de desejar o (im)possível, em três votos.

1. Penso não ser demasiadamente lírico afirmar que houve tempo, no pós-25 de Abril, em que os portugueses confiaram nos políticos. Com mais ou menos ingenuidade, os portugueses acreditaram nas suas promessas e, através delas, entreviram uma esperança no futuro. Foi pensando num devir mais digno que os sufragaram em tempo de eleições, acreditando que seriam os mais capazes. Foi no dever de cuidar pelas esperanças colectivas que encontraram justificação para lhes dar assento (e vencimento) na Assembleia da República, no Governo, nas Autarquias, em suma, no Poder.
A verdade, porém, é que as expectativas foram falhando sucessiva e sistematicamente, ao longo do tempo. E, agora, o cidadão comum não acredita mais nos políticos. Compreende-se que assim seja, porque a generosidade tem limites. Ser simples não significa ser permeável a tudo. Maltratado vezes sem conta, traído despudoradamente por aqueles que prometem e não cumprem -- mas que juram cumprir com lealdade as funções para que são eleitos ou nomeados -- vendo exemplos deploráveis onde devia existir competência, honestidade e sentido de bem-servir, o cidadão comum tornou-se um desconfiado visceral. Basta ver como reage, natural e convictamente, à mais pequena promessa de melhoria, seja ela de que natureza for: “Só acredito quando vir!”. É esta profunda crise de confiança o resultado desastroso a que se chegou em consequência do faz-de-conta dos políticos. Que 1995 nos traga um começo da enorme tarefa de recuperar a confiança perdida, eis o meu primeiro voto.

2. É preciso, sobretudo, recuperar a confiança dos jovens, em nome de um futuro que faça sentido a prazo. As manifestações hostis da juventude durante 1994 são, no cerne, um sintoma da crise que se instalou e que urge erradicar. Os jovens interrogam-se sobre as suas perspectivas e o panorama está longe de ser encorajante. Faltam-lhes valores de referência na sociedade dos “crescidos”. Falta-lhes acreditar que a felicidade é possível. Paradoxalmente, ou talvez não, as ofertas da “democracia de sucesso” -- onde imperam mais os números do que as pessoas, onde grassa o espírito de subir na vida fácil e rapidamente -- não satisfazem os jovens. Daí que as manifestações tenham roçado a falta de respeito, o que é sintomático e devia constituir um sério aviso para os responsáveis por este estado de coisas. A irreverência não justifica tudo o que se passou. O desencanto, talvez. Que 1995 nos traga um começo da enorme tarefa de dignificar a sociedade de amanhã, eis o meu segundo voto.

3. A propósito de jovens e de futuro colectivo, há que referir a crise da Educação em Portugal. Surpreende-me, desde há muito, que os dirigentes de todos os quadrantes políticos não tenham entendido como reconhecidamente necessário, e irrecusavelmente possível, o interesse nacional de ser estabelecido um Pacto de Educação entre os partidos políticos, com base no qual fosse traçado um rumo consistente para a Educação no nosso País, independentemente de quem tivesse a responsabilidade governativa. Recentemente, aquando do Congresso “Portugal, que Futuro?”, este tema foi objecto de uma intervenção, na ocorrência por parte de um dirigente de um partido com assento na Assembleia da República. Tanto quanto é do meu conhecimento, esta terá sido a primeira vez que tal questão foi formulada publicamente. Todavia, pelo eco que (não) teve essa proposta, temo que os resultados práticos sejam nulos.
Dizia Séneca que “não há vento favorável para quem não sabe para onde quer ir”. O desígnio da Educação em Portugal é, em certa medida, comparável ao rumo das caravelas quinhentistas: o rumo de uma aventura que vale a pena ser vivida. Assim os dirigentes políticos tenham sensibilidade e coragem para romper com o passado recente nesta matéria. Que 1995 nos traga um começo da enorme tarefa de recuperar o tempo perdido, eis o meu último voto.

Ilustrações in: http://www.parlamento.pt/
Artigo publicado no jornal O MIRANTE em 03.Janeiro.1995

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