quarta-feira, 6 de abril de 2011

Ludoteca GIRA-SOL... um espaço onde tudo pode acontecer

10 horas. É tempo de abrir o portão da Ludoteca para mais oito horas de animação, conversa, surpresas, combinações, novidades, cumplicidades. Quando se sobe a rampa que dá acesso ao exterior da Ludoteca, nunca se sabe bem o que se vai encontrar...

Será natural deparar com a Joana envolta em tecidos fulgurantes, bruxa colorida sobre patins em linha, num ritual em torno de um caldeirão mágico...

Ou descobrir as enérgicas Lia e Diana, brincando no alto de uma árvore frondosa, criando um esconderijo com tecidos, para alvejar com bugalhos os desprevenidos passantes...

Ou encontrar as doces Diana, Catia, Deonilde e mais amigas, amenamente conversando sobre toalhas multicores, na relva, depois de delirantes brincadeiras com água, e grandes banhos de mangueira ou de piscina...

Ou ainda, surpreender o engenhoso e diabólico Fábio, transformado num verdíssimo dinossáurio, dançando e saltitando com uma cabeleira e cauda de esponja, construídos na Ludoteca à imagem de um dos seus heróis favoritos...

Nada mais natural...

Por isso nos habituámos a dizer da Ludoteca que «é um espaço onde tudo pode acontecer». Foram já 18 meses de descobertas, numa experiência onde a rotina não tem lugar. O ritual sim... porque é o ritual que nos dá força e segurança, que constrói a amizade e nos dá coragem para continuar. Todos os dias o prazer de rever um amigo, de o desafiar para um jogo... o prazer de continuar projectos... de pôr em acção a imaginação...

Há amigos de longa data. .. aqueles que, desde o primeiro dia, não dispensam uma passagem quase diária na Ludoteca. Há os que vêm todas as semanas. Há os que só regressam no Verão, vindos de outros países, e que todos os anos esperamos ansiosamente... Depois há todos os outros que nunca sabemos quando vão aparecer, com que ideias, com que desejos e propostas de jogo...

São cerca de 360 crianças e jovens com idades entre os 5 e os 16 anos. É imensa a variedade de origens e de experiências. Por isso não há dois dias iguais na Ludoteca. As capacidades individuais são postas em acção, e funcionam naturalmente como motor e estímulo para grupos de crianças. As ideias circulam, voam, contagiam, fazem nascer projectos...


Criámos um folheto mensal que funciona como veículo de comunicação para as crianças, famílias e profissionais de educação. Nele noticiamos alguns planos e uma calendarização para as animações especiais de cada mês. Estas podem ser surpresas organizadas pelas educadoras: lançamento de ateliers (de construção de brinquedos, marionetas, fantoches de esponja, papagaios, pintura de camisolas, reciclagem de papel), passagem de diaporamas criados na Ludoteca, teatros de sombras...

Também podem ser momentos que surgem da colaboração com grupos culturais da comunidade: espectáculos de teatro e música ao vivo...

Muitas vezes são propostas de grupos de frequentadores da Ludoteca: sessões de aeróbica ministradas no ginásio por entusiásticas raparigas, torneios de futebol propostos por grupos de rapazes...

O folheto mensal pode ainda divulgar momentos rituais como o banho de mangueira, os jogos de água na piscina, a limonada a meio da tarde. Funciona ainda como desafio para certas actividades, como por exemplo a colaboração na elaboração do jornal «Gira-Sol» que lançamos no final de cada ano.

Criou-se o ritual de preparar animações em grupo, que funcionam como surpresa para os outros frequentadores da Ludoteca. E quando chega o momento, todos são convidados a assistir ou a participar... Desfiles de moda (com os adereços do «camarim de teatro»), simulacros de programas televisivos, concursos, gincanas, teatros de marionetas ou fantoches, animações dramáticas de rua, absolutamente contagiantes, são alguns dos momentos criados entre eles. Como animadoras tentamos dar seguimento aos desejos e iniciativas individuais ou de grupo, resolvendo problemas técnicos, colaborando na organização, criando materiais, servindo como mediadores nos contactos entre crianças ou jovens que se desencontraram na vinda à Ludoteca.

E quando o desafio é para «entrar no jogo»... «fazemos a festa»! Por vezes damos com eles surpreendidos com algumas inesperadas performances a que o sentido de humor nos leva. É que nós levamos o jogo a sério! E é esta cumplicidade que tem feito nascer o companheirismo e a abertura com que eles sabem que podem contar. Tentamos promover diferentes vivências: momentos de prazer estético (como criadores ou observadores), momentos de diversão pura (que por vezes revemos em filme, sempre com o mesmo gozo) e momentos de «estar só a estar»... com tempo, com serenidade, na relva, em confidência com um amigo, deitado num banco de jardim, à sombra do guarda-sol, com uma música envolvente no ar, lendo um livro sossegadamente... pairando distante. Tentamos, diariamente, diversificar os momentos de jogo e de prazer... mas, também, ajudá-los a melhorar regras de convivência, a perder preconceitos, a rever ideias estereotipadas que os limitam, a abri-las para novas experiências e para novos valores de amizade e solidariedade.

Tudo isto faz parte do nosso jogo de vida. Tudo isto faz parte integrante da qualidade de vida que queremos oferecer. Quando uma menina nos confidencia: «Eu nunca tinha estado num sítio tão bonito como este...». Ou um rapaz exclama: «Este sítio foi mesmo feito a pensar em mim!...» sabemos que estamos no bom caminho. Pouco habituados a coisas boas que vêm para ficar, ainda hoje há alguns que se aproximam de nós perguntando se a Ludoteca vai acabar ou se é para sempre...

... É para sempre.

Com eles continuaremos a fazer girar o sol.


Maria Helena Pinheiro Martinho

Crónica publicada em Cadernos de Educação de Infância, N.º 40, 1996

NOTA 1 – À data da publicação da presente crónica, as animadoras da Ludoteca “Gira-Sol” eram Helena Martinho e Elisete Moreiras

NOTA 2 – Helena Martinho foi a responsável pela elaboração, implementação e montagem do projecto da Ludoteca “Gira-Sol” da Creche do Povo (Torres Vedras), em funcionamento desde Janeiro de 1995, de que foi coordenadora pedagógica até 2001. Este projecto foi financiado pelo programa NOW (New Opportunities for Women), do Fundo Social Europeu.

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