quarta-feira, 30 de novembro de 2011

76.º Aniversário da morte de Fernando Pessoa



Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis


Ilustração
Paulo Miguel Pinheiro Martinho

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Ainda a greve geral

No passado mês de Março [1988], ocorreu um acontecimento significativo no nosso País: pela primeira vez, as duas centrais sindicais — União Geral de Trabalhadores e Confederação Geral de Trabalhadores Portugueses — convocaram uma greve geral para o mesmo dia, em manifestação de dis­cordância em relação à última versão da chamada “lei dos despedimentos” proposta pelo Governo. Dir-se-á que já está tudo dito sobre esta matéria. Talvez, depende do ponto de vista. De qualquer modo, pa­rece adequado deixar registado o facto nesta coluna, para que conste da memória colectiva deste Jornal. Uma forma de registo possível teria por base a recolha de afirmações e de passagens de escritos produ­zi­­dos sobre o acontecimento e suas repercussões. Foi esta a opção seguida.

«O Governo não se senta mais à mesa das negociações»
António Capucho, ministro, 26-03-88

«Foi a maior greve geral da história do movimento operário português»
Carvalho da Silva, coordenador-geral da CGTP, 28-03-88

«Se há greve, eu não a notei. E se a greve é geral, muito menos; tão-pouco parcial. Eu diria, quan­do muito, parcialíssima»
Cavaco Silva, primeiro-ministro, 28-03-88

«A adesão foi superior a 80 por cento, o que envolve mais de 1,7 milhões de trabalhadores»
Torres Couto, secretário-geral da UGT, 29-03-88

«Em relação a 80 por cento do País, a greve passou despercebida»
Cavaco Silva, primeiro-ministro, 29-03-88

«A chamada greve geral não passou de um acontecimento efémero, algo que se esgotou num dia e que, portanto, pertence ao passado»
Fernando Nogueira, porta-voz do Conselho de Ministros, 31-03-88

«Mesmo aqueles que não aderiram à greve geral de segunda-feira passada deverão reconhecer que a greve ultrapassou as expectativas.
Goste-se ou não da UGT e da Intersindical, o facto é que a mensagem das centrais sindicais “passou”: ou seja, muitos trabalhadores convenceram-se de que, caso o pacote laboral venha a ser aprovado, os seus empregos ficarão em risco. (…)»
José António Saraiva, Expresso, 01-04-88

«(…) Não posso corroborar ou infirmar os números divulgados pelos sindicatos. Alguma impren­sa internacional tomou-os por bons, mas a maior parte da que eu li deu-lhes desconto em grau variá­vel. O que eu não encontrei foi um jornal, americano ou europeu, que desse qualquer crédito aos nú­meros do Governo. (…)
(…) Mas o facto de o Governo ter, ele próprio, sucumbido à tentação das ameaças tornou impre­cisas as fronteiras entre as condutas de cada um. E muitos dos que discordaram da greve queriam vê-la vencida por argumentos e meios limpos, e não por corrupções e ameaças. (…)»
Nuno Brederode Santos, Expresso, 16-04-88

«(…) E se os deputados do PSD não quiserem, como é natural que não queiram, remeter-se à in­có­­­­moda função de “caixas de ressonância” do Governo, as consequências desta greve não deixarão de se fazer sentir no formato e na embalagem exterior — mas também no conteúdo — do “pacote laboral” que esteve na origem da acção grevista. (…)»
José Silva Pinto, O Jornal, 31-03-88

«Intransigente, a bancada do PSD inviabilizou as mais de 70 propostas de alteração do pacote laboral do Governo apresentadas pela oposição. A bancada da maioria apenas foi flexível consigo própria, ao introduzir duas alterações e um aditamento ao texto do Executivo. E assim, horas e horas a fio, a oposição viu gorados todos os seus esforços para alterar um vírgula do texto. (…)
Jerónimo Pimentel, Expresso, 16-03-88

«Dizem uns:
— Não tiro nem uma vírgula!
Dizem outros:
— Não cedo nem um milímetro!
(…)
Não tirar nem uma vírgula é o primeiro passo para não tirar nem uma palavra. E, depois, um pe­ríodo. E, depois, um parágrafo. E, depois, uma página. E, por fim, o que quer que seja. Justamente, não tirar nem uma vírgula é não tirar coisa nenhuma.
Tal como não ceder nem um milímetro é o primeiro passo para não ceder nem um centímetro. E, depois, um metro. E, depois, um quilómetro. E, por fim, o que quer que seja. Precisamente, não ceder nem um milímetro é não ceder coisa nenhuma.
Mal vai o regime que se corta em arestas e se talha em abismos. Não é um regime, é uma pedreira.
Mal vai o regime que baliza as fronteiras da sua vontade, da sua acção, da sua afirmação, em vírgulas finais e em milímetros definitivos. Não é um regime, é um medo sitiado.
Ou é um totalitarismo ou não é, sequer formalmente, uma democracia
Artur Portela, Diário de Notícias, 11-04-88.

Texto publicado no jornal O Mirante, n.º 6, Abril.1988

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Crónicas de Além: Miami (USA)


Há por aqui 'cromos' com fartura, que tenho vontade de fotografar, mas há que respeitar a privacidade. Só que eu não resisti a fotografar este parzinho, e partilhar com os leitores. Até o Japonês ficou com os olhos em bico e a boca aberta! Vistos de frente são uma delícia, com uma maquilhagem forte mas interessante, e percebe-se que há um macho e uma fêmea. Não posso partilhar esta visão com vocês porque seria demasiado indiscreto.”

Fernando Ornelas Marques
http://cronicasdealem.blogspot.com/
27.Novembro.2011

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

105.º Aniversário de Rómulo de Carvalho

Rómulo de Carvalho (1906-1997)

Amostra sem valor

Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível;
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosas da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.

António Gedeão

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Neutrão, meu improvável Elemento

O neutrão foi descoberto em Inglaterra quatro anos antes de eu nascer. Quando a cisão nuclear foi descoberta na Alemanha, tinha eu pouco mais de dois anos. O primeiro reactor nuclear funcionou nos Estados Unidos da América três anos depois.  


Nessa altura eu vivia no Ribatejo, mais precisamente na Chamusca, nascido de uma família humilde. A minha mãe era empregada em casa dos Tavares e o meu pai trabalhava na padaria do senhor Samouco. Eu acompanhava a minha mãe e brincava o tempo todo. Mais tarde, comecei a aprender as primeiras letras no improvisado pré-escolar que funcionava em casa da D. Gualdina. Essa iniciação permitiu que eu entrasse directamente na 2.ª classe da escola primária, onde tive como mestre o saudoso professor Filipe Baptista. Recordo-me que foi na padaria do senhor Samouco, com o meu Pai ao lado amassando o pão, que consegui ler sozinho as primeiras palavras num velho jornal. Foi uma revelação marcante.

É claro que nesse tempo nunca tinha ouvido falar de neutrões, nem de cisão nuclear ou reactores nucleares. Um dos primeiros temas de conversa de que me lembro era sobre as peripécias relacionadas com a II Guerra Mundial. Em certas noites apagavam-se todas as luzes e protegiam-se as vidraças para prevenir os efeitos de um eventual ataque (do inimigo, presumia eu, sem perceber o significado daqueles cuidados). O racionamento obrigava-nos a adoçar o café com rebuçados ou com mel, e utilizávamos senhas para comprar certos bens alimentares. Para nos aquecermos nas noites frias, quando faltava o carvão, era serradura que púnhamos no fogareiro disposta ao redor de um buraco: era com curiosidade que via a serradura arder lentamente, avivada pelo ar que entrava por baixo. Nessa época de racionamento percebi que quem tinha dinheiro sofria menos com a crise...

Nestas circunstâncias, quem poderia prever que a minha actividade futura seria precisamente em domínios em que o neutrão, a cisão nuclear e os reactores nucleares estão presentes?

Teria eu uns 13 ou 14 anos quando alguém, certamente com razão para estar indisposto comigo, me disse abruptamente e com ar convicto: Tu nunca serás nada na vida! Foi uma afirmação demasiado forte para o miúdo que eu era… Impressionado, fiquei a pensar naquilo durante uns tempos. Mas, como é sabido, a vida é feita de acasos, e, por acaso, aconteceu tudo o que era necessário acontecer para que aquela “profecia” não se concretizasse [cf.aqui].

Aconteceu até que o Reactor Português de Investigação, instalado no Laboratório Nuclear de Sacavém [cf.aqui], funcionou pela primeira vez em Abril de 1961, precisamente o ano em que concluí a licenciatura na Faculdade de Ciências de Lisboa. Convidado para o efeito, foi aí que logo iniciei a minha carreira profissional, a qual só terminaria mais de 40 anos depois.

Toda a vida trabalhei com neutrões, mas nunca vi nenhum… Isso não impediu que “sonhasse” com eles ao longo do tempo em diversas situações. Houve experiências desafiantes, noites mal dormidas cogitando soluções, resultados frustrantes mas, felizmente, ideias estimulantes e realizações gratificantes. A finalizar a carreira, tive até a sorte de participar numa descoberta relevante no âmbito da Física das Radiações de Reactores Nucleares [cf.aqui], descoberta que tem feito um interessante caminho a nível internacional [cf.aqui].

Não tenho motivos de queixa da “vida”, bem pelo contrário. Contra tudo o que era previsível na minha infância, acabei por encontrar no neutrão o meu improvável Elemento – na acepção de Ken Robinson [cf.aqui].

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Números redondos...

2011, ano com datas assinaláveis a nível pessoal:
50.º Aniversário do meu casamento
50.º Aniversário do meu filho Paulo Miguel
50.º Aniversário da conclusão da licenciatura na Faculdade de Ciências de Lisboa
50.º Aniversário do início da minha carreira no Laboratório Nuclear de Sacavém
20.º Aniversário do meu neto Bruno
75.º Aniversário deste tardio bloguista.

Auto-retrato (2008)

sábado, 12 de novembro de 2011

Haja o que houver...



não posso esquecer-me de colher as minhas rosas manhã cedo

 
não posso esquecer-me de fazer um desenho, ou um poema, ou uma canção com elas

 
não posso esquecer-me de as colocar no centro do peito

 
não posso esquecer-me de as oferecer a quem as queira fazer também suas

 
não posso esquecer-me que o tempo tem de ter algum tempo dentro do tempo que parece que não tem

não posso esquecer-me, não quero esquecer-me de nada do que é importante:
o equilíbrio
o peso certo para cada flor que faz parte dos dias
para que sejam sempre
bons dias...

(haja o que houver)


Teresa Martinho Marques

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Bebés mercadoria


No tempo em que fomos meninos, os nossos direitos não constituíam versão escrita para ponderar e cumprir. Os nossos pais deixavam simplesmente que o coração os guiasse e se as coisas corriam menos bem, podemos atribui-lo a carências materiais porque foram tempos de grandes dificuldades para muita gente. Certo é que eles conseguiram criar ambientes de segurança e respeito por nós, enquanto seres dependentes e em formação.

E agora como é? Apercebo-me há muito tempo através do que ouço, leio ou vejo, da pouca "atenção" que muitos educadores prestam aos direitos dos mais pequenos. Tornou-se habitual observar crianças dormindo nos cafés e restaurantes, em casa dos amigos até que os pais decidam regressar, nas ruas pela noite dentro e até frequentadores de ambientes ditos só para adultos. Quem é hoje capaz de recusar uma festa e ficar de guarda aos filhos? Uma amiga conta-me que um familiar, após ter saído da clínica onde nasceu o seu bébé, foi de imediato ao "Continente" fazer compras! E soube de um casal, ela médica de profissão, que não se priva de ir à discoteca e transporta o bébé debaixo do braço, tapado com um casaco!

Não começarão desta maneira desastrosa e louca os grandes problemas de instabilidade dos quais pais e professores se queixarão no futuro que é já hoje?


Texto de Maria da Piedade Pinheiro Martinho
publicado no jornal O MIRANTE, Outubro.1990

domingo, 6 de novembro de 2011

Tríptico "Produtos naturais exóticos"


Courgette papa-formigas, Homem pimento de nariz vermelho e Homem-pêssego

"Produtores" : Filomena Santos & Paulo Martinho (Guarda)

sábado, 5 de novembro de 2011

Staccato


A estranheza
e a morosidade
tingidas

aqui e ali
de alguma réstia
de deslumbre

dizem que
dizem que
viver é isso

a verdade é
não sei
não sei mesmo

mas algo me diz
a ser
a ser mesmo

assim
não me admirava
nada


Rui Caeiro

Poema inédito publicado in P2 (Público), 05.Nov.2011

Energia Nuclear - Bases, um novo blogue

Tenho constatado que visitantes deste espaço, em número significativo, procuram informação sobre temas relacionados com a energia nuclear.

Como este blogue não é vocacionado para os ditos temas – que têm aparecido aqui enquadrados em artigos de vulgarização que publiquei no passado em jornais ou então ditados por acontecimentos excepcionais, como foi o caso do acidente nuclear em Fukushima – resolvi iniciar um outro blogue, este orientado especificamente para o "nuclear", mas apenas com preocupações de natureza pedagógica: http://energianuclear-bases.blogspot.com/ .
O respectivo link encontra-se na secção “Outros websites” (coluna à direita).

Afigurou-se-me que uma maneira adequada de começar o novo blogue seria com um GLOSSÁRIO  [http://energianuclear-bases.blogspot.com/2011/11/energia-nuclear-glossario.html], no que segui o do livro Energia Nuclear – Mitos e Realidades  [http://tempoderecordar-edmartinho.blogspot.com/2010/12/energia-nuclear-mitos-e-realidades.html]

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O Bibe


Tiro do bolso um botão
uma moeda, um carrinho
um papel de rebuçado
uma flor velhinha e seca
um segredo amarrotado
um berlinde e um pauzinho
um fio azul, um pião.
Nunca o bolso está vazio
quando nele meto a mão!

Quando tiver de crescer
e o meu bibe se rasgar
onde vou buscar surpresas
onde vou buscar um sonho
quando deles precisar?

 

Poema de Teresa Martinho Marques (http://sabordepalavra.blogspot.com)
in
Das Palavras, Edições Eterogémeas (http://www.eterogemeas.com)
ilustrado por Paulo Miguel Pinheiro Martinho (
http://pintapalavras.blogspot.com)