terça-feira, 18 de setembro de 2012

As aplicações da radioactividade


Meu artigo publicado na revista Chamusca Ilustrada, Fevereiro.1977
1. A energia nuclear não intervém apenas em fenómenos associados à explosão de bombas atómicas ou ao funcionamento de reactores nucleares, pois, em sentido lato, toda a energia posta em jogo no decurso de modificações da constituição de um núcleo atómico, seja ele qual for, é energia nuclear. Pode tratar-se da energia libertada num fenómeno radioactivo ou da energia envolvida numa reacção nuclear.
A radioactividade e as reacções nucleares estão na base das mais diversas formas de utilização pa­cí­fica da energia nuclear, de que se salientam numerosas e importantes aplicações de átomos radio­activos em medicina, na agricultura e na indústria, bem como a produção de electri­cidade em centrais nucleares a partir da energia libertada em reacções de cisão nuclear.

Com o presente artigo pretende-se dar uma ideia do aproveitamento que o Homem faz da radioacti­vidade na resolução de inúmeros problemas mediante a utilização adequada de átomos radioactivos (isótopos radioactivos ou radioisótopos).
2. As radiações emitidas pelos radioisótopos naturais ou artificiais têm múltiplas utilizações. Embora possam dizer respeito a áreas muito distintas da actividade humana, tais utilizações têm em comum uma fonte de radiação, um detector de radiação e/ou um objecto sobre o qual actua a radiação. O tipo de fonte radioactiva e o tipo de detector são escolhidos de acordo com a apli­cação em causa.
3. Em matéria de inspecção, o objecto a observar é colocado entre a fonte radioactiva e o detector de radiação, registando este as variações de intensidade do feixe de radiação depois de ter atravessado o objecto. Por exemplo, uma aplicação industrial baseada neste procedimento consiste em controlar a espessura de folhas de papel, placas de borracha, folhas de plástico, lâminas de metal, etc.; no caso de desenrolamento mecânico contínuo, a indicação do detector de radiação pode servir para corrigir auto­maticamente a espessura por actuação sobre a pressão dos rolos laminadores. Analogamente, pode-se avaliar o nível de enchimento de recipientes opacos contendo líquidos ou gases, controlar o nível de garrafas em processo de enchimento automático, determinar o teor de humidade em solos, carvões ou minérios. Pode ainda obter-se a chamada gamagrafia de uma peça metálica radiografando-a com ra­dia­ção gama (semelhante aos raios X): a imagem recolhida numa placa fotográfica revela os vazios ou os defeitos eventualmen­te existentes na peça (tal como uma radiografia com raios X põe em evidência os defeitos de um órgão ou do esqueleto), podendo-se assim verificar soldaduras de peças metálicas com mais de 10 centíme­tros de espessura.
4. O efeito destruidor ou transformador das radiações sobre os organismos vivos está na origem de utilizações de grande interesse. Em primeiro lugar, a radiação gama é apropriada para a esterilização de conservas, leite, carnes, etc., de que param a fermentação sem destruir as vitaminas, como faz o calor. Graças ainda à radiação gama, foi possível resolver o problema da esterilização de certos produ­tos farmacêuticos, em particular os antibióticos que não podem ser esterilizados pelo calor. Analoga­mente, a radiação gama permite parar a germinação das batatas e, assim, conservá-las durante largo tempo. Sob a acção da radiação, certas moléculas orgânicas transformam-se dando lugar à criação de novas substâncias, como acontece no caso da polimerização, cujas propriedades podem ter interesse do ponto de vista industrial, por exemplo para melhorar as características de madeiras.
5. É conhecido também o tratamento de tumores cancerosos, cujas células são mais sensíveis às ra­diações do que as células normais. Os isótopos radioactivos artificiais suplantam cada vez mais, nes­te género de aplicação, o rádio natural, que é muito caro. A irradiação externa é feita a maior parte das vezes com uma fonte de cobalto-60. Por vezes, a irradiação é conseguida mediante a implantação nos tumores a destruir de pequenas porções de isótopos radioactivos de vida relativamente curta. Um outro exemplo de aplicação diz respeito aos tumores da tiróide para os quais o agente terapêutico ideal é geralmente o iodo. Neste caso, o tratamento à base de iodo-131 pode ser feito por simples ingestão, dado que o iodo radioactivo, comportando-se no organismo como o iodo natural, vai concentrar-se na tiróide a irradiar.
6. Os isótopos radioactivos são utilizados não só pelo efeito das radiações que emitem mas também pela presença que revelam de um corpo a que foram misturados. Trata-se de aplicações da chamada técnica dos indicadores, em que os radioisótopos constituem uma pista que se pode seguir ou cuja presença pode ser posta em evidência mediante um detector de radiação. Um dos exemplos clássicos diz respeito ao estudo do movimento de sedimentos marinhos ou de areias em estuários de rios, em que se lançam, num dado ponto do fundo do mar ou do rio, grãos de vidro contendo átomos radioacti­vos de características adequadas e se procede posteriormente à sua localização por meio de detectores de radiação que se fazem imergir para o efeito. O estudo de circuitos industriais para diferentes fins constitui também um importante campo de aplicação desta técnica. É o caso, por exemplo, da deter­minação de interfaces num oleoduto onde circulam líquidos diferentes ou da localização de uma ruptu­ra numa conduta não visível por estar embebida numa parede ou no solo.
7. A utilização laboratorial de radioisótopos é ainda mais fecunda, porque os cientistas podem tirar partido, simultaneamente, tanto do seu poder indicador como das suas propriedades químicas. Assim, por exemplo, os átomos de fósforo radioactivo incorporados num fertilizante comportam-se numa planta da mesma maneira que os átomos estáveis de fósforo: com base nesta identidade, pode-se seguir a pista do fósforo radioactivo, determinar a sua repartição mediante uma autoradiografia e, assim, estudar a assimilação do fertilizante pela planta.
8. Muitos outros exemplos de aplicação de isótopos radioactivos poderiam ser dados, envolvendo técnicas como as de: datação de minerais ou vegetais; análise de materiais por activação com neutrões; diagnóstico médico por cintigrafia; esterilização de insectos com vista à destruição de pragas; estudos imunológicos, metabólicos ou cardiovasculares. 

9. A enumeração feita evidencia bem a diversidade do aproveitamento que o Homem faz dos isótopos radioactivos e a sua importância económica e so­cial. A título elucidativo, refira-se que um inquérito feito há alguns anos sobre 25 indústrias diferentes agrupando 125 empresas revelou que a utilização de radioisótopos deu lugar a economias 10 vezes su­perior ao investimento inicial.

Elemento de consulta:
ISÓTOPOS NO DIA-A-DIA, de Henry Seligman (IAEA)
Tradução: Carlos Ramalho Carlos e Eduardo Martinho
Edição: Direcção-Geral de Energia (2.ª edição - 1994)
Para eventual esclarecimento de alguns conceitos, consultar:
http://energianuclear-bases.blogspot.com/2011/11/energia-nuclear-glossario.html

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