segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Como dás as aulas?

Meu artigo publicado em 29.Nov.2012 no semanário O MIRANTE

O Nelo entrou no meu gabinete e, após umas primeiras palavras de circunstância, perguntou-me: «Como dás as aulas?». Percebi que o assunto era sério, porque vi comoção no olhar do meu colega.

Ambos tínhamos em comum uma turma do curso de Física (1978-1983) na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). Eram alunos que tinham uma craveira intelectual acima da média. De entre eles, vieram a destacar-se, por exemplo, os actuais professores da FCUL João Lin Yun (Astrofísica), Luís Matias (Geofísica) e Margarida Cruz (Física da Matéria Condensada), e o investigador do Laboratório Nuclear de Sacavém Nuno Pinhão (Física Atómica e Molecular). Como eu não tinha razões de queixa da turma e os mesmos alunos consternavam o Nelo pelo seu alheamento nas aulas, percebe-se a pergunta: «Como dás as aulas?».
Que podia eu responder ao Nelo que ele não soubesse? Foram momentos de grande constrangimento. Julgo que o que lhe disse não deve ter servido para muito, porque o problema não tinha a ver com a competência científica dele, nem com a preparação das aulas ou a falta de empenhamento. A questão era outra… e eu nada podia fazer para o ajudar a desatar aquele nó cego.
Rómulo de Carvalho disse um dia, numa entrevista ao Jornal de Letras, que a aptidão para o ensino «não é coisa que os professores aprendam nas escolas, quando estão a preparar-se para a profissão, é uma coisa natural», ao que acrescentou um “mas”: «fartei-me de trabalhar, sabe, fartei-me de trabalhar.» É claro que um candidato a professor pode apreender ensinamentos no sentido de tornar mais eficaz a sua aptidão para comunicar, mas tais ensinamentos são apenas condições necessárias, que não suficientes.
Há qualquer coisa de indefinível que faz com que os bons professores – aqueles que marcam os alunos e são recordados com carinho – se destaquem dos outros. Serão, em geral, as qualidades humanas? Será, em particular, o perfil físico? O tom de voz? A experiência? O empenhamento? A honestidade? A humildade? A imaginação? A disponibilidade? O jeito para dialogar? A capacidade de fomentar e gerir cumplicidades? Não sei. Sei apenas que dos professores bem se pode dizer que “são muitos os chamados... mas poucos os escolhidos”.
PS – Há dias enviei um email a um dos alunos mencionados acima para lhe pedir uma informação. Já não contactávamos há uns trinta anos… E eis que, na volta do correio, ele me surpreendeu: «É com enorme gosto que recebo e leio uma mensagem sua. Gostaria que soubesse que foi dos melhores professores que tive na FCUL, alguém de quem guardo uma recordação muito positiva e construtiva.» O leitor não acha natural que este testemunho me tenha dado uma grande alegria?

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