sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Capuchinho Vermelho c/ Poema em forma de Lobo


Foi recentemente lançada uma colectânea de textos intitulada Capuchinho Vermelho: Histórias Secretas e outras menos, com coordenação de Sara Reis da Silva e José António Gomes e edição de Bags of Books. Autores dos textos: António Manuel Pacheco; António Mota; Augusto Baptista; Carla Maia de Almeida; Eugénio Roda; Francisco Duarte Mangas; Isabel Minhós Martins; João Manuel Ribeiro; João Pedro Mésseder; Teresa Martinho Marques; Vergílio Alberto Vieira.


   
  tu 
  tu 
  tu   tu 
  mau tu 
  tu eras mau e eu sabia 
  e sabia que assim mesmo te queria 
  no caminho da floresta eu atrás de ti 
  e lá queria saber de conselhos e de medos 
  e de lendas e de flores e de estradas sem perigos 
  e de luzes claras brancos passos coelhos fofos e amigos 
  cada pão salgado e doce cada biscoito na cesta era já teu 
  avisos: é inferno e má era eu toda fantasia a pensar no céu 
  a fingir que era menina e muito cheia de segredos 
  nem sonhava perguntar-te qualquer coisa 
  não queria saber (saber o quê?) 
  o meu vermelho é escuro bom 
  não quero príncipe 
  lobo meu
  


Teresa Martinho Marques

terça-feira, 25 de setembro de 2012

O Lanche do Senhor Verde, no J. Infância do Vimeiro


Artigo da Educadora de Infância Helena Martinho publicado em
Cadernos de Educação de Infância, n.º 96 (Maio/Agosto.2012)


Temos de convir que encontrar um chapéu de coco amarelo no meio de um arbusto… três chapéus-de-chuva pendurados numa árvore despida de folhas… uma chave azul suspensa do candeeiro do restaurante… ou uma gravata verde no espelho retrovisor da camioneta, não é muito normal… Pois as crianças do Jardim de Infância do Vimeiro descobriram todos estes “objectos mágicos”, e ainda outros mais, entre Setembro e Dezembro, nos locais mais insólitos e inesperados por onde iam circulando.
As teorias explicativas choviam…
- Se calhar crescem flores em forma de chapéus!
- Se calhar foi alguém que saltou de paraquedas e perdeu o chapéu!
- Ou foi um macaco… um macaco é que devia ser porque eles penduram-se com os pés para o ar e com a cabeça para baixo e perdem os chapéus!...
- Será que esta árvore agora dá chapéus-de-chuva? Ou foi um senhor invisível com asas que veio a voar e deixou aqui o chapéu?
- Era uma girafa com uma chave pendurada ao pescoço e depois veio muito vento e a chave voou e ficou ali pendurada.
- Um passarinho estava com uma gravata e deixou ali…
Por fim, os objectos já eram tantos que se instalou a ideia do negócio:
- Olha…se aparecerem muitos chapéus, vendemos aos passarinhos para fazerem ninhos!
- Qualquer dia fazemos uma loja!
- Eu vendo as chaves, o Tomás e o Diogo vendem os chapéus, a Laura e o Afonso vendem as gravatas…
Mas… antes que abrissem a tal loja, chegou o dia de desvendar o mistério e de responder a todas as interrogações!
Mas recuemos um pouco…
Tudo isto se iniciou em Maio… no momento em que conheci o autor espanhol Javier Sáez Castán, no âmbito do IX Encontro de Literatura Infanto-Juvenil de Pombal.
Por essa ocasião apresentou uma Mostra de Memórias, Ilustrações e Objectos que incluía os originais da ilustração do seu livro “o lanche do senhor verde”, pintados a óleo sobre placas de madeira. Um irresistível convite para a entrada num mundo mágico e misterioso construído em 2007 e apenas editado em Portugal pela Orfeu Negro no Verão de 2011.
Apaixonei-me pelo ambiente do livro, a cor, o enigma, as claras referências ao realismo poético de Magritte, as irresistíveis figuras masculinas de fato e chapéu de coco, alguns símbolos de Alice no país das maravilhas…
Desde logo nasceu a ideia de partir para a descoberta e animação desta obra. Como fazê-lo? De forma enigmática como o próprio enredo propunha, e tirando partido da depurada e elegante estética da ilustração… mas o livro, esse, seria o último a aparecer…
Assim, com a colaboração das famílias, cúmplices desde a primeira hora neste Projecto, recolhi e construi os vinte e quatro “objectos mágicos” do livro: chaves, gravatas, chapéus de coco e chapéus-de-chuva de seis cores. E foram estes objectos que as crianças tinham encontrando durante meses…
Quando já não havia mais teorias para explicar este fenómeno e se preparavam para ”vender” tudo… chegou a festa de Natal e a resolução do enigma.
Seis pais assumiram os papéis dos senhores-cor do livro do Javier numa animação multimédia que envolveu: projecção de imagens em tela gigante, música, teatro e sombras, e uma inesquecível e muito divertida coreografia final que coroou de êxito esta surpresa natalícia. As crianças não cabiam em si de espantadas por, de repente, terem tido acesso à explicação que faltava. Especialmente emocionados estavam os filhos dos senhores amarelo, azul, púrpura, castanho, preto e verde por terem acreditado no que lhes haviam dito em casa: por razões de trabalho, os pais não poderiam estar presentes na festa…
Após esta animação, um grupo de pais e mães músicos apresentaram uma canção com o texto adaptado à história e… finalmente… a prenda de Natal para os meninos foi… o livro “o lanche do senhor verde”… Curiosamente, os filhos dos senhores-cor não admitem que sejam as mães a partilhar com eles o livro…
Impossível ficar indiferente a esta obra. Aceitem então o convite para lanchar com o Senhor Verde, numa inesperada clareira luminosa e colorida onde não falta na mesa o bule do chá e contamos ver chegar, a qualquer momento, o chapeleiro maluco.

domingo, 23 de setembro de 2012

O Bruno em Lisboa


O meu neto Bruno, que reside na Guarda e estuda na Covilhã (UBI), esteve em Lisboa de visita aos avós. Andámos pela cidade e tirámos fotografias. Eis algumas, para mais tarde recordar...

 O Bruno com a avó Piedade no Castelo de S. Jorge

 Vista de Lisboa observada do Castelo de S. Jorge

 Terreiro do Paço

 Mosteiro dos Jerónimos

 Centro Cultural de Belém

terça-feira, 18 de setembro de 2012

As aplicações da radioactividade


Meu artigo publicado na revista Chamusca Ilustrada, Fevereiro.1977
1. A energia nuclear não intervém apenas em fenómenos associados à explosão de bombas atómicas ou ao funcionamento de reactores nucleares, pois, em sentido lato, toda a energia posta em jogo no decurso de modificações da constituição de um núcleo atómico, seja ele qual for, é energia nuclear. Pode tratar-se da energia libertada num fenómeno radioactivo ou da energia envolvida numa reacção nuclear.
A radioactividade e as reacções nucleares estão na base das mais diversas formas de utilização pa­cí­fica da energia nuclear, de que se salientam numerosas e importantes aplicações de átomos radio­activos em medicina, na agricultura e na indústria, bem como a produção de electri­cidade em centrais nucleares a partir da energia libertada em reacções de cisão nuclear.

Com o presente artigo pretende-se dar uma ideia do aproveitamento que o Homem faz da radioacti­vidade na resolução de inúmeros problemas mediante a utilização adequada de átomos radioactivos (isótopos radioactivos ou radioisótopos).
2. As radiações emitidas pelos radioisótopos naturais ou artificiais têm múltiplas utilizações. Embora possam dizer respeito a áreas muito distintas da actividade humana, tais utilizações têm em comum uma fonte de radiação, um detector de radiação e/ou um objecto sobre o qual actua a radiação. O tipo de fonte radioactiva e o tipo de detector são escolhidos de acordo com a apli­cação em causa.
3. Em matéria de inspecção, o objecto a observar é colocado entre a fonte radioactiva e o detector de radiação, registando este as variações de intensidade do feixe de radiação depois de ter atravessado o objecto. Por exemplo, uma aplicação industrial baseada neste procedimento consiste em controlar a espessura de folhas de papel, placas de borracha, folhas de plástico, lâminas de metal, etc.; no caso de desenrolamento mecânico contínuo, a indicação do detector de radiação pode servir para corrigir auto­maticamente a espessura por actuação sobre a pressão dos rolos laminadores. Analogamente, pode-se avaliar o nível de enchimento de recipientes opacos contendo líquidos ou gases, controlar o nível de garrafas em processo de enchimento automático, determinar o teor de humidade em solos, carvões ou minérios. Pode ainda obter-se a chamada gamagrafia de uma peça metálica radiografando-a com ra­dia­ção gama (semelhante aos raios X): a imagem recolhida numa placa fotográfica revela os vazios ou os defeitos eventualmen­te existentes na peça (tal como uma radiografia com raios X põe em evidência os defeitos de um órgão ou do esqueleto), podendo-se assim verificar soldaduras de peças metálicas com mais de 10 centíme­tros de espessura.
4. O efeito destruidor ou transformador das radiações sobre os organismos vivos está na origem de utilizações de grande interesse. Em primeiro lugar, a radiação gama é apropriada para a esterilização de conservas, leite, carnes, etc., de que param a fermentação sem destruir as vitaminas, como faz o calor. Graças ainda à radiação gama, foi possível resolver o problema da esterilização de certos produ­tos farmacêuticos, em particular os antibióticos que não podem ser esterilizados pelo calor. Analoga­mente, a radiação gama permite parar a germinação das batatas e, assim, conservá-las durante largo tempo. Sob a acção da radiação, certas moléculas orgânicas transformam-se dando lugar à criação de novas substâncias, como acontece no caso da polimerização, cujas propriedades podem ter interesse do ponto de vista industrial, por exemplo para melhorar as características de madeiras.
5. É conhecido também o tratamento de tumores cancerosos, cujas células são mais sensíveis às ra­diações do que as células normais. Os isótopos radioactivos artificiais suplantam cada vez mais, nes­te género de aplicação, o rádio natural, que é muito caro. A irradiação externa é feita a maior parte das vezes com uma fonte de cobalto-60. Por vezes, a irradiação é conseguida mediante a implantação nos tumores a destruir de pequenas porções de isótopos radioactivos de vida relativamente curta. Um outro exemplo de aplicação diz respeito aos tumores da tiróide para os quais o agente terapêutico ideal é geralmente o iodo. Neste caso, o tratamento à base de iodo-131 pode ser feito por simples ingestão, dado que o iodo radioactivo, comportando-se no organismo como o iodo natural, vai concentrar-se na tiróide a irradiar.
6. Os isótopos radioactivos são utilizados não só pelo efeito das radiações que emitem mas também pela presença que revelam de um corpo a que foram misturados. Trata-se de aplicações da chamada técnica dos indicadores, em que os radioisótopos constituem uma pista que se pode seguir ou cuja presença pode ser posta em evidência mediante um detector de radiação. Um dos exemplos clássicos diz respeito ao estudo do movimento de sedimentos marinhos ou de areias em estuários de rios, em que se lançam, num dado ponto do fundo do mar ou do rio, grãos de vidro contendo átomos radioacti­vos de características adequadas e se procede posteriormente à sua localização por meio de detectores de radiação que se fazem imergir para o efeito. O estudo de circuitos industriais para diferentes fins constitui também um importante campo de aplicação desta técnica. É o caso, por exemplo, da deter­minação de interfaces num oleoduto onde circulam líquidos diferentes ou da localização de uma ruptu­ra numa conduta não visível por estar embebida numa parede ou no solo.
7. A utilização laboratorial de radioisótopos é ainda mais fecunda, porque os cientistas podem tirar partido, simultaneamente, tanto do seu poder indicador como das suas propriedades químicas. Assim, por exemplo, os átomos de fósforo radioactivo incorporados num fertilizante comportam-se numa planta da mesma maneira que os átomos estáveis de fósforo: com base nesta identidade, pode-se seguir a pista do fósforo radioactivo, determinar a sua repartição mediante uma autoradiografia e, assim, estudar a assimilação do fertilizante pela planta.
8. Muitos outros exemplos de aplicação de isótopos radioactivos poderiam ser dados, envolvendo técnicas como as de: datação de minerais ou vegetais; análise de materiais por activação com neutrões; diagnóstico médico por cintigrafia; esterilização de insectos com vista à destruição de pragas; estudos imunológicos, metabólicos ou cardiovasculares. 

9. A enumeração feita evidencia bem a diversidade do aproveitamento que o Homem faz dos isótopos radioactivos e a sua importância económica e so­cial. A título elucidativo, refira-se que um inquérito feito há alguns anos sobre 25 indústrias diferentes agrupando 125 empresas revelou que a utilização de radioisótopos deu lugar a economias 10 vezes su­perior ao investimento inicial.

Elemento de consulta:
ISÓTOPOS NO DIA-A-DIA, de Henry Seligman (IAEA)
Tradução: Carlos Ramalho Carlos e Eduardo Martinho
Edição: Direcção-Geral de Energia (2.ª edição - 1994)
Para eventual esclarecimento de alguns conceitos, consultar:
http://energianuclear-bases.blogspot.com/2011/11/energia-nuclear-glossario.html

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Em memória do doutor Carlos Cacho


Meu artigo publicado no jornal O MIRANTE, 14.Set.1993

Link para consulta da biografia do doutor Carlos Cacho:
http://www.itn.pt/memoria/bios/pt_bio_ccacho.htm


No próximo dia 25 de Setembro vai realizar-se na Golegã, sua terra natal, uma justa homenagem em memória do Doutor Carlos Cacho, físico ilustre que tive o prazer de conhecer como Director-Geral do Laboratório de Física e Engenharia Nucleares (LFEN) da Junta de Energia Nuclear.

O meu primeiro contacto com o Doutor Carlos Cacho ocorreu em Setembro de 1961. O LFEN havia sido inaugurado em Abril desse ano e, por feliz coincidência, eu encontrava-me na fase terminal da licenciatura em Ciências Físico-Químicas na Universidade de Lisboa. Tendo sido convidado por um colaborador do Doutor Carlos Cacho para trabalhar no Reactor Português de Investigação, honra que aceitei com entusiasmo, foi assim que me vi no seu gabinete, como físico em princípio de carreira. Recordo-me de lhe ter confessado, com sinceridade: «Já visitei as instalações do reactor nuclear. A sensação que tenho é que não sei nada». Circunspecto, mas cortês, tranquilizou-me: «É natural. Daqui a meia dúzia de anos, o senhor doutor terá uma sensação diferente». Compreendi: a formação de um investigador exige tempo. E fiquei, de facto, mais tranquilo.
O relacionamento com o Doutor Carlos Cacho, pelo menos em relação aos mais novos, era pautado por um certo distanciamento, o que não significava frieza ou menos interesse por nós. Compreendia-se que assim fosse. Pela diferença de idades e pela diferença de funções e de responsabilidades, além de que o Doutor Carlos Cacho tinha uma maneira de ser reservada.
Recordo que, talvez em 1966, surgiu uma diferença de opiniões mais viva entre nós. Na altura, perante uma “impertinência” minha, ele disse-me frontalmente: «Se o senhor doutor não está satisfeito, a porta é lá em baixo». Para bom entendedor... Porquê recordar este episódio agora, num momento que se pretende de homenagem? Faço-o para significar que estou à vontade para o homenagear, evocando três situações vividas após o 25 de Abril, em que o Doutor Carlos Cacho foi a figura central.
Logo no dia 26 de Abril, fui contactado por um colega no sentido de participar numa reunião restrita de investigadores do LFEN. O objectivo era conversar sobre o que fazer quando retomássemos o trabalho na segunda-feira seguinte. Verifiquei, depois, que um dos pontos da “agenda” consistia no afastamento dos chefes, onde, como é óbvio, se incluía o Doutor Carlos Cacho. Opus-me a essa acção, com argumentos que convenceram a maioria dos presentes.
A segunda situação ocorreu durante uma reunião da assembleia-geral do LFEN, talvez na segunda metade de 1974. O Doutor Carlos Cacho havia tomado uma decisão controversa, que bulia com o colectivo. A pressão exercida sobre ele, pela assembleia, levou-o a renunciar à decisão. Apesar disso, houve um grupo que continuou a pressioná-lo. A intervenção que então produzi, e que o Doutor Carlos Cacho agradeceu, foi de molde a amortecer o conflito. No final da reunião, elementos do referido grupo abordaram-me e condenaram asperamente a minha intervenção, pois fizera abortar os seus propósitos. Percebi, finalmente, que havia uma estratégia onde eu via apenas generosidade.
Em 31 de Janeiro de 1975, no decurso de uma outra reunião da assembleia geral do LFEN, o Doutor Carlos Cacho, que estava ausente, acabou por ser vítima de uma decisão “revolucionária” e foi afastado das suas funções, em nome da “vontade popular”. Acontece que, cansado e desiludido pelo evoluir da situação pós-25 de Abril, não participei nessa reunião. Tomei conhecimento da decisão ao fim do dia, aquando do regresso a casa. Com isto, limito-me apenas a registar um facto.
No dizer do seu irmão António, «Carlos Cacho é atingido pelo despudor de um grupo de indivíduos sem escrúpulos, despeitados, invejosos», sendo «acusado de “sabotagem” do Laboratório, com alardes servidos de uma terminologia e normas infames que a passividade daqueles que não podiam admitir tamanha vilania, acabaria por consentir». Compreende-se a emoção incontida deste depoimento, mas importa racionalizar o acontecimento com a objectividade que o distanciamento temporal possibilita. No fundo, o Doutor Carlos Cacho, tal como outros portugueses, teve a infelicidade de ser vítima inocente de circunstâncias adversas, ocorridas num momento particular da nossa história, em que o corte com o antigo regime passava pelo repúdio indiscriminado das estruturas hierárquicas. A verdade é que não havia razões objectivas para o afastar. Por outras palavras: O afastamento do Doutor Carlos Cacho foi injusto. Pena foi que a sua ilibação só se tenha verificado quatro meses e meio depois do seu falecimento, em 29 de Dezembro de 1976.
Homenagem em 25.Set.1993: inauguração do monumento com o busto do doutor Carlos Cacho no largo da Câmara Municipal da Golegã e a numerosa assistência na hora do discurso do Professor Veríssimo Serrão
A meu ver, o Doutor Carlos Cacho, enquanto homem de ciência, será recordado essencialmente por duas razões. Por um lado, ele foi um dos mais importantes obreiros, se não o maior, da afirmação dos físicos portugueses enquanto profissionais de reconhecida importância para o desenvolvimento do país. Por outro lado, e este é seguramente o seu mérito mais relevante, o Doutor Carlos Cacho foi o principal responsável pela criação e dinamização do LFEN, um complexo laboratorial ímpar, em Portugal, no domínio da energia nuclear.
Cerimónia em que o nome do doutor Carlos Cacho entrou na toponímia da Golegã (em primeiro plano: o senhor Presidente da Câmara, eu próprio e o irmão do homenageado, senhor António Cacho)

A melhor homenagem que lhe poderiam prestar, e prestaram de facto, aqueles que em 1975 não puderam valer-lhe, consistiu em terem-se empenhado a fundo na valorização do património técnico-científico legado pelo Doutor Carlos Cacho, através do LFEN, contribuindo para tornar o centro de estudos nucleares de Sacavém numa instituição de investigação com prestígio a nível nacional e internacional. De entre todos, é justo salientar o Doutor Jaime da Costa Oliveira, que foi, até há pouco tempo, director do Instituto de Ciências e Engenharia Nucleares (ICEN), legítimo “herdeiro” das tradições do LFEN. O seu afastamento, ocorrido no final do passado mês de Julho, enquadra-se naquilo que parece ser uma estratégia política de desmantelamento do complexo laboratorial de Sacavém, a que está subjacente uma lamentável falta de visão de Estado em relação ao domínio nuclear, área em que Portugal, como país da Comunidade Europeia, tem importantes responsabilidades, a nível interno e externo. A erosão sistemática a que está a ser sujeito o antigo LFEN, desde há algum tempo, é como que uma segunda injustiça feita ao Doutor Carlos Cacho. Resta confiar que o bom senso prevaleça.

domingo, 9 de setembro de 2012

A austeridade na net...


NOTA - Ver adenda (11.Setembro) com texto de Eugénio Lisboa.








Amigos,
[No passado dia 7] Fiz um dos discursos mais ingratos que um Primeiro-Ministro pode fazer – informar os Portugueses que (…) os sacrifícios ainda não terminaram.
Não era o que gostaria de poder vos dizer, e sei que não era o que gostariam de ouvir. (…)
Queria escrever-vos hoje, nesta página pessoal, não como Primeiro-Ministro mas como cidadão e como pai, para vos dizer apenas isto: esta história não acaba assim. (…)
Pedro
Missiva completa na página do Facebook de Pedro Passos Coelho
Foto retirada de: http://monico24.com






ADENDA (11.Set.2012)
Excerto da Carta Aberta de Eugénio Lisboa [ biografia ] dirigida ao Primeiro-Ministro [ver texto completo aqui] publicada no blogue http://dererummundi.blogspot.pt.
«(…)
Todo o discurso político de V. Exas., os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma direcção: mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós. Cortam-nos tudo, o conforto, o direito de nos sentirmos, não digo amados (seria muito), mas, de algum modo, utilizáveis: sempre temos umas pitadas de sabedoria caseira a propiciar aos mais estouvados e impulsivos da nova casta que nos assola. Mas não. Pessoas, como eu, estiveram, até depois dos 65 anos, sem gastar um tostão ao Estado, com a sua saúde ou com a falta dela. Sempre, no entanto, descontando uma fatia pesada do seu salário, para uma ADSE, que talvez nos fosse útil, num período de necessidade, que se foi desejando longínquo.

Chegado, já sobre o tarde, o momento de alguma necessidade, tudo nos é retirado, sem uma atenção, pequena que fosse, ao contrato anteriormente firmado. É quando mais necessitamos, para lutar contra a doença, contra a dor e contra o isolamento gradativamente crescente, que nos constituímos em alvo favorito do tiroteio fiscal: subsídios (que não passavam de uma forma de disfarçar a incompetência salarial), comparticipações nos custos da saúde, actualizações salariais – tudo pela borda fora. Incluindo, também, esse papel embaraçoso que é a Constituição, particularmente odiada por estes novos fundibulários. O que é preciso é salvar os ricos, os bancos, que andaram a brincar à Dona Branca com o nosso dinheiro e as empresas de tubarões, que enriquecem sem arriscar um cabelo, em simbiose sinistra com um Estado que dá o que não é dele e paga o que diz não ter, para que eles enriqueçam mais, passando a fruir o que também não é deles, porque até é nosso.

Já alguém, aludindo à mesma falta de sensibilidade de que V. Exa. dá provas, em relação à velhice e aos seus poderes decrescentes e mal apoiados, sugeriu, com humor ferino, que se atirassem os velhos e os reformados para asilos desguarnecidos, situados, de preferência, em andares altos de prédios muito altos: de um 14.º andar, explicava, a desolação que se contempla até passa por paisagem. V. Exa. e os do seu governo exibem uma sensibilidade muito, mas mesmo muito, neste gosto. V. Exas. transformam a velhice num crime punível pela medida grande. As políticas radicais de V. Exa. e do seu robótico Ministro das Finanças – sim, porque a Troika informou que as políticas são vossas e não deles... – têm levado a isto: a uma total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página.

Falei da velhice porque é o pelouro que, de momento, tenho mais à mão. Mas o sofrimento devastador, que o fundamentalismo ideológico de V. Exa. está a desencadear pelo país fora, afecta muito mais do que a fatia dos velhos e reformados. Jovens sem emprego e sem futuro à vista, homens e mulheres de todas as idades e de todos os caminhos da vida – tudo é queimado no altar ideológico onde arde a chama de um dogma cego à fria realidade dos factos e dos resultados. Dizia Joan Ruddock não acreditar que radicalismo e bom senso fossem incompatíveis. V. Exa. e o seu governo provam que o são: não há forma de conviverem pacificamente. Nisto, estou muito de acordo com a sensatez do antigo ministro conservador inglês, Francis Pym, que teve a ousadia de avisar a Primeira Ministra Margaret Thatcher (uma expoente do extremismo neoliberal), nestes  termos: “Extremismo e conservantismo são termos contraditórios”. Pym pagou, é claro, a factura: se a memória me não engana, foi o primeiro membro do primeiro governo de Thatcher a ser despedido, sem apelo nem agravo. A “conservadora” Margaret Thatcher – como o “conservador” Passos Coelho – quis misturar água com azeite, isto é, conservantismo e extremismo.
Claro que não dá.

Alguém observava que os americanos ficavam muito admirados quando se sabiam odiados. É possível que, no governo e no partido a que V. Exa. preside, a maior parte dos seus constituintes não se aperceba bem (ou, apercebendo-se, não compreenda), de que lavra, no país, um grande incêndio de ressentimento e ódio. Darei a V. Exa. – e com isto termino – uma pista para um bom entendimento do que se está a passar. Atribuíram-se ao Papa Gregório VII estas palavras: ”Eu amei a justiça e odiei a iniquidade: por isso, morro no exílio.” Uma grande parte da população portuguesa, hoje, sente-se exilada no seu próprio país, pelo delito de pedir mais justiça e mais equidade. Tanto uma como outra se fazem, cada dia, mais invisíveis.
Há nisto, é claro, um perigo.»


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Por favor, tirem-me daqui!


Meu artigo publicado no jornal O MIRANTE, 18.Julho.1995


Entristece constatar que há pessoas que se metem a escrever manuais para jovens estudantes dos ensinos básico e secundário, sobre assuntos que desconhecem, sem terem aparentemente a preocupação do rigor que a responsabilidade de ensinar exige, ou deveria exigir, em alto grau. Um dos domínios onde mais facilmente lhes escorrega o pé para o erro, pondo a nu as insuficiências, é o que diz respeito às aplicações da energia nuclear.
Quando abordam este tema, os autores em questão:
(1) Não explicam o que é a energia nuclear, apesar de se tratar de um dos marcos mais impressionantes da ciência e da tecnologia do século XX;
(2) Não conseguem ultrapassar os preconceitos existentes a nível de opinião pública, em relação ao nuclear, tantas vezes alimentados por pessoas incompetentes quando não mal-intencionadas;
(3) Não fazem a distinção entre aplicações pacíficas e militares da energia nuclear, o que se presta a equívocos e mal-entendidos;
(4) Não estabelecem a necessária comparação entre vantagens e desvantagens das diferentes alternativas energéticas disponíveis, nomeadamente no que se refere ao impacte que os diferentes tipos de centrais termoeléctricas têm sobre o Homem e o ambiente;
(5) Não esclarecem os estudantes sobre o papel que a energia nuclear pode desempenhar como umas dessas alternativas energéticas, que, aliás, já foi adoptada em dezenas de países, entre os quais se encontram os mais desenvolvidos social e economicamente;
(6) Enfim, limitam-se praticamente a agitar o “papão” da energia nuclear, sem darem aos jovens a oportunidade/possibilidade de terem ideias próprias sobre a matéria em causa, e depois, candidamente, pedem-lhes que dêem uma opinião sobre o assunto!...
O mínimo que se pode dizer é que tal procedimento não é sério. Cada um é livre de ter - e deve ter - as suas opiniões, mas, para formular juízos e chegar a conclusões, é necessário recorrer a argumentos objectivos e racionais. Um manual escolar, se não respeitar este princípio, não respeita os estudantes a que se destina e, em última análise, não cumpre a sua própria finalidade como elemento de formação.
Vem isto a propósito do livro intitulado Ritmos e Mudanças (Porto Editora, 1995) destinado a estudantes do 10.º ano da disciplina de Ciências Físico-Químicas. Na página 273, na sequência de uma brevíssima introdução, pode ler-se: «Estas centrais [centrais nucleares], embora permitam produzir electricidade a baixo custo, têm desvantagens. São bem conhecidos os perigos da chamada energia nuclear. Convidamos-te a promover o debate sobre o tema Se construíssem uma central nuclear próximo de minha casa...”».
Em meia dúzia de linhas, as autoras do livro:
(a) Dão como pacífico o «baixo custo» da electricidade produzida por via nuclear, quando a verdade é que esta questão é controversa e tem de ser analisada no contexto específico de cada situação;
(b) Dão como pressupostas as «desvantagens» da energia nuclear, sem explicarem quais e em relação a quê, e sem esclarecerem se há outras vantagens para além do tal «baixo custo»;
(c) Dão como adquirido que «são bem conhecidos os perigos da chamada energia nuclear», o que é demasiado fácil e manifestamente insuficiente - que sentido faz, por exemplo, afirmar que «são bem conhecidos os perigos de andar de automóvel»?
(d) Até levam a admitir que uma central nuclear pode ser construída em qualquer sítio, porventura ao virar da esquina.
Com estes dados, os estudantes são depois convidados «a promover o debate sobre o tema Se construíssem uma central nuclear próximo de minha casa...”». Pergunto: Que debate? Com que elementos informativos? Com quem? Lamento muito, mas não acredito neste tipo de pedagogia. Nem na bondade do propósito.
Pela minha parte, com os “entretantos” fornecidos pelas autoras do livro como primeiríssima pista para o debate, ficaria com vontade de gritar: “Por favor, tirem-me daqui, que estão a construir uma central nuclear ao fundo da minha rua!”.