sábado, 9 de novembro de 2013

Explicação plausível para um escândalo universitário


«[…] O Guido sacudiu a cabeça para trás porque estava a ficar nervoso. Por muito que olhasse para os currículos que tinha à sua frente, não conseguia vislumbrar como havia de sair daquela alhada. Na semana anterior, tinha reunido com o Director que lhe comunicara a abertura de vários lugares de professor.
Bem Guido, como sabes, após as últimas reformas de vários colegas, o teu Departamento tem um número de professores abaixo do número máximo que lhe é permitido ter. Por isso falei com o Reitor e aceito abrir lugares de professor para o vosso Departamento, entre eles um de catedrático. Mas não queremos contratar alguém de fora, nem abrir o concurso a toda a gente, a ideia é promover um dos nossos professores associados com agregação.
― Isso são boas notícias. Finalmente! tinha respondido o Guido nessa altura, mal sabendo o que o esperava.
― Só que a lei não permite promoções internas de docentes. A lei exige que os concursos sejam externos, ou seja qualquer pessoa no mundo pode concorrer – prosseguiu o Director.
― Pois, mas isso é normal. Se queremos contratar os melhores que houver, o concurso tem de ser baseado no mérito e acessível a qualquer candidato.
― Mas assim vai ser uma trabalheira e demorar imenso tempo.
― Então como fazemos?
― Bem, fazemos aquilo que se chama um concurso com fotografia. Vocês no Departamento decidem quem querem promover. E abrimos o concurso ajustado a essa pessoa, escolhendo por exemplo a área de trabalho muito bem definida.
― Mas isso não é fazer de palhaços os elementos do júri de tal concurso?
― É um bocado... Mas paciência, tem de ser. Ou abre assim, ou não abre! – retorquiu categoricamente o Director. ― Quantos candidatos no vosso Departamento estão em condições de concorrer a um concurso de professor catedrático?
― Hmm... deixa-me contar... São cerca de doze. E como faço para escolher? Vão cair-me todos em cima.
― Esse é um problema teu. Tens quinze dias para escolher e compor o Edital onde só caiba praticamente a pessoa que escolherem.
― Eu é que escolho?
― Sim, o presidente de cada Departamento escolhe quem prefere. E eu aprovo. Mas precisas de garantir que não tens a oposição cerrada dos teus colegas catedráticos, senão não passa.
― Hmm... Isso não será fácil, seja eu a escolher quem eu ache que é o melhor para o Departamento, seja colocando o assunto à discussão com eles.
― Tu não tens nenhum preferido?
― Os que trabalham comigo e que gostaria de ver promovidos serão candidatos a lugares de professor associado e de professor auxiliar e não de professor catedrático.
― Pois então é fácil! Negoceias com os outros catedráticos do Departamento. Deixas que eles escolham (ou seja que o mais poderoso deles escolha) e tu aceitas desde que eles aceitem que os outros lugares fiquem para quem tu queres...
― Não tinha pensado nisso. Lá terá de ser...
― E mais: tens de escolher um júri para o concurso que seja favorável ao que decidirem. Nota que a lei obriga a que os membros externos estejam em maioria. Por isso tens de garantir que pelo menos um irá votar tal como os membros internos. Os restantes não interessam nada. Servem só para enfeite.
― Mas... e estas coisas todas não se sabem? Não é uma vergonha para a universidade?
― Bem... apesar de estarmos numa instituição pública, paga pelos dinheiros dos contribuintes, estes documentos não são públicos, a gente consegue sempre que não saia nada cá para fora. Dizemos que é sigiloso!
― E ninguém estranha? Não é uma forma de reconhecermos que temos algo a esconder? Afinal de contas “quem não deve, não teme”. Se estivesse tudo bem, não teríamos problemas em implementar mais transparência, nunca nos refugiaríamos em sigilo.
― Mas que complicado que tu és! E escrupuloso... fica-te bem! Deixa lá, é assim que tem funcionado. Claro que queremos evitar que apareçam problemas, e evitamos que isto chegue às notícias. Não te preocupes, não é teu problema. […]»

in João Lin YunUm Crime na Teia Universitária (pp.47-49)
Chiado Editora, Outubro.2013

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