quarta-feira, 26 de março de 2014

Eles não quiseram ser heróis

Rui Tavares - Público, 26.Março.2014

Há, em todo o mundo, uma fotografia icónica de um homem carregando sacos de plástico na Praça Tiananmen, em Pequim, e sozinho impedindo a passagem de um tanque. Do que nos esquecemos frequentemente é que para cada homem em frente a um tanque militar há outro dentro do tanque militar. Um homem que pode disparar, ou não. Um e outro estão ligados pelo laço que dá a vida ou a morte.
Ontem o PÚBLICO trazia uma fotografia igualmente significativa. Ao contrário da primeira, a história não se percebe ao primeiro olhar, num segundo apenas. É uma história com mais história: um homem está de costas, de pé em cima de um tanque blindado, de mãos nas ancas e espreitando para dentro da torre da metralhadora. É o brigadeiro que dá ordens para abrir fogo na manhã do dia 25 de abril de 1974. Lá dentro estava um homem que, até agora, ninguém sabia ou se lembrava de quem era. Até agora.
A fotografia é de Alfredo Cunha e a história do homem foi investigada e escrita por Adelino Gomes, para um livro sobre Os Rapazes dos Tanques — os jovens militares que estiveram frente a frente naquele dia e não abriram fogo uns sobre os outros. O texto que daí resulta é uma das coisas mais belas, e mais simples, que já li em qualquer jornal (imagino que o seja igualmente em livro). Claro que a razão para sentir assim é que aquele momento do não-disparo nos diz muito. Tudo o que somos dependeu dele. [...]

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