terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Uma década fora do comum

Na década de 90 do século XX passei por situações peculiares de natureza pessoal e profissional. Um dia, talvez este período venha a despertar o interesse de algum tetraneto mais curioso...


Do ponto de vista pessoal, perdi o meu Pai (Julho.1991) e a minha Mãe (Fevereiro.1993); e perdi dois bons amigos e colegas de longa data (que trabalhavam como eu no Reactor do Laboratório Nuclear de Sacavém): João Batista Menezes (Julho.1997) e Carlos Ramalho Carlos (Dezembro.1998). Foram perdas dolorosas, por razões diferentes, de que me refiz dificilmente. 

Profissionalmente, comecei por sentir a chamada “Crise de 1992-1994” no Laboratório Nuclear de Sacavém, descrita no livro de Jaime da Costa Oliveira “Memórias para a História de um Laboratório do Estado” (págs. 114 a 128). Cada investigador viveu-a a seu modo e muitos remaram contra a maré resultante da deterioração da relação de confiança entre o ministro da tutela (Mira Amaral) e o presidente da instituição (Veiga Simão). Resumindo, o propósito do ministro era “desembaraçar-se de Sacavém”… Pareceu-me então ser necessário ir à luta, “avisar a malta”. Procurei apoio em jornais de referência, o qual me foi generosamente dado pelo saudoso Senhor Coimbra (Expresso) e por José Vítor Malheiros (Público). São dessa altura os artigos seguintes: A nossa opção nuclear. Expresso - n.º 1051, 19.Dezembro.1992; Investigação, visão de Estado e o futuro do ICEN. Público, n.º 1080, 18.Fevereiro.1993; O Estado e o nuclear. Expresso / Economia, n.º 1080, 10.Julho.1993; Sem ciência não há tecnologia. Expresso / Economia, n.º 1066, 03.Abril.1993; O adeus ao reactor português? Expresso, n.º 1111, 12.Fevereiro.1994. Julgo que esta iniciativa foi um dos contributos úteis para a resolução do problema, a qual se veio a concretizar em 01.Janeiro.1995 com a criação do Instituto Tecnológico e Nuclear (nova designação dada ao Laboratório Nuclear de Sacavém). 

O que se passou em Sacavém entre 1995 e 2000 encontra-se também descrito no citado livro de Jaime da Costa Oliveira em “A mutação de 1995” (págs. 129 a 140). Após a fase de instalação do ITN, foi designado o novo presidente da instituição (José Carvalho Soares), cuja tomada de posse ocorreu em 12.Janeiro.1996. Posso testemunhar, por experiência própria, "as dificuldades de relacionamento do Conselho Directivo do ITN com a maioria dos investigadores”. Bastará dizer que cheguei a sentir-me ostracizado por alguns colegas do Reactor devido ao meu desalinhamento…
Para ultrapassar esta desagradável situação, continuei a via que já vinha prosseguindo: escrita de relatórios em Português (sobre matérias relevantes no que se refere à utilização de reactores de investigação) que pudessem ser úteis no futuro a jovens investigadores, após a minha aposentação. Foi assim que redigi relatórios como: Avaliação de doses absorvidas em experiências de irradiação em reactores nucleares, INETI/DEEN-R-94/34; Activação de amostras em reactores nucleares, ITN/DEEN-R-95/39; Cálculo de doses absorvidas por amostras irradiadas em espectros de neutrões rápidos de reactores nucleares, ITN/RPI-R-96/42; Produção de radionuclidos no RPI para aplicações médicas (4 relatórios entre 1998 e 1999). Há pouco tempo, senti-me completamente recompensado por este trabalho quando encontrei, por mero acaso, um desses jovens investigadores (NB) na Repartição de Finanças do meu Bairro e ele me disse espontaneamente: Sabe, aqueles seus relatórios de revisão, em Português, têm-me sido extremamente úteis!
A outra via que segui para ultrapassar a situação de quase isolamento em que me sentia no meu departamento (Reactor) foi a de procurar dois colegas (José Francisco Salgado e Isabel Ferro Gonçalves) de outro departamento (Física) e propor-lhes um trabalho de colaboração. Esse trabalho visava a quantificação do fenómeno de neutron self-shielding (autoprotecção neutrónica) que se manifesta em Física de Reactores Nucleares em inúmeras experiências de irradiação de amostras. Os resultados dessa cooperação foram publicados entre 2001 e 2004 e estão disponíveis na internet (AQUI). Observando em particular este LINK, o leitor poderá constatar que os resultados que obtivemos têm aceitação internacional generalizada e consistente no tempo, até hoje.
Tal como diz o provérbio popular, há males que vêm por bem…

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