segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Carapito-84/85 ― Eco

O texto que se segue faz parte do relatório  Se-Carapito-tivesse-ondas... produzido pela Educadora Helena Martinho no final de 1984/1985, ano lectivo em que trabalhou no Jardim de Infância do Carapito.
 

O eco é um fenómeno que marca uma experiência agradável na vida de qualquer criança. Totalmente explicado por leis da Física, é, no entanto, misterioso, irreal, e lembra a personificação de algo longínquo, uma comunicação à distância. Mais do que esclarecer cientificamente o que é o eco, nesta idade há que descobri-lo, jogar com ele, ver em que situações existe, tirar as primeiras conclusões, mesmo que muito imaginárias. Foi o que aconteceu, por acaso, num dos nossos passeios. 
Íamos sem meta fixada. Andámos até que resolvemos parar e brincar numa zona baixa de lajes, rodeada de montanha. No meio dos jogos, um grito... e uma resposta vinda lá do fundo. Chamei-lhes a atenção. Aí começaram a surgir novos gritos, assobios, cada um ansiando pela repetição. Como a distância era grande, tornava-se nítido o espaço de silêncio entre a emissão do som e o seu retorno. O espanto era geral. Quem estava na montanha? Quem lá morava? Nenhum conseguia resposta, explicação. Aperceberam-se de que não havia respostas, apenas repetições. Que se não gritassem alto não obtinham o regresso do som... Resolvi meter-me no assunto. Disse-lhes que era o Eco que morava na montanha e que atirava para trás o que ouvia, porque não gostava de barulho. Agarrei num miúdo ao colo: "Vamos lá ver! Se eu atirar o Sérgio para lá, acham que o Eco o manda outra vez para aqui?" Foi a risota geral. E todos quiseram experimentar. Eu dava balanço, depois corria com eles nos braços para a frente, e voltava a levá-los ao local de partida. 
Acabada a brincadeira, um desafio: "Vamos matar o eco". A ideia veio de um rapaz e logo os outros se armaram de galhos e giestas. Recomeçámos a andar. As crianças olhavam atentas em volta, como se esperassem ver surgir o tal eco de um momento para o outro. Queriam matar aquela coisa estranha que não entendiam bem. Como nada encontravam, e chegando a um penedo elevado, desafiei-os a gritar ao eco para ver de que lado estaria. Mas já não havia eco. Surpresa. Desolação. E agora? Fiz-lhes ver que era natural ele ter fugido com medo que o matassem, e que a culpa era deles. 

Em ambos os casos não há eco: no caso (1) porque não existe "reflector" de som, e no caso (2) porque o "reflector" está a uma distância inferior a 17 metros (velocidade do som = 340 m/s).



Continuámos o passeio. Não voltámos a "encontrar o eco" e aos poucos largaram as suas armas improvisadas. Nesse dia ficámos por aí e acho que foi positivo terem ficado com a sensação de responsabilidade pela fuga do eco. A paz também se aprende em momentos como estes... Noutros passeios voltámos a ter "respostas". Assim as conclusões foram-se tornando mais próximas do real: que o eco não está só num sítio, que quando estamos num lugar alto não se repete o som, que apenas o conseguimos voltados para montes mais altos que nós... A seu tempo compreenderão o que é a propagação do som, o que são as vibrações, como se propagam no ar e como, embatendo num obstáculo, são sujeitas a um retorno. Para já viveram a realidade que é o eco e tentaram explicá-lo de maneira mágica, à sua maneira. Aos poucos o imaginário irá dando lugar ao real, na exploração do meio. Foi esta a caminhada que começámos e iremos continuar...

Sem comentários:

Enviar um comentário